Conheci Maria José Dupré, como a maioria dos
leitores, através de Éramos Seis, que
li, bem como Dona Lola, sua
sequência. Éramos Seis é um livro
lindo, singelo e emocionante. A simplicidade do estilo da autora me cativou de
tal forma que, pouco tempo depois, fui adquirindo tudo que ela publicara, de
maneira que reuni sua obra completa em pouco tempo.
Estava muito indeciso pelo próximo livro que
leria da Sra. Leandro Dupré, nome pelo qual era conhecida a autora de Éramos Seis no princípio de sua carreira
literária, quando chamou a atenção do público e da crítica, como também de
autores renomados da época como Monteiro Lobato. Não sabia se devia começar
pelos livros infantis ou pelos demais. Decidi que começaria pelas obras
voltadas para o público adulto, em ordem cronológica. Assim, peguei O Romance de Teresa Bernard (1941),
muito animado por conhecer a obra de estreia da Dupré. Infelizmente, foi uma má
escolha.
Narrado em 1ª pessoa pela própria Teresa
Bernard, o livro é uma espécie de caderno de memórias que, ao que parece, vai
sendo escrito em pedaços, ao longo da vida da protagonista. Chegou a me
incomodar o uso do advérbio “hoje”, especialmente porque a autora não teve a
preocupação de organizar as memórias de Teresa por data. Assim, num parágrafo
temos “hoje”; no próximo também, mas já é o dia seguinte. Todo dia é “hoje”
rsrsrs.
Entendo que O
Romance de Teresa Bernard pode ser dividido em duas partes: a primeira, que
vai do capítulo I ao XVII; a outra, constituída unicamente pelo capítulo XVIII,
que compreende a metade do livro. É isso mesmo que você leu: o último capítulo
é a metade do livro! E aqui devo dizer que a primeira metade é tudo o que vale
a pena ser lido nessa obra. O resto, pelo menos para mim, foi pura chateação.
Teresa, logo no início do romance, nos conta
sobre sua infância sofrida: a perda dos pais, a má vontade de seus parentes, os
tempos no colégio interno, sua doença pulmonar, etc. Tudo é contado muito
rapidamente, o que também me incomodou. Quando mencionei que a leitura da
primeira parte valeria a pena, não quis dizer que a mesma é pura perfeição, mas
certamente muito mais tolerável que a segunda. A fluidez dos primeiros
capítulos lembrou-me um pouco o estilo doce de Éramos Seis, mas sem o mesmo primor.
Outro ponto a ser questionado é a construção dos
personagens. Não consegui simpatizar nenhum. A própria Teresa me chateou várias
vezes com seu comportamento estouvado. Até gostava mais dela antes de chegar à
vida adulta, quando vivia à mercê de seus tios. Algo que me chamou atenção
foram suas experiências literárias, relatadas desde O Guarani e Ana Karenina,
lidos na adolescência, até Vicente Blasco Ibáñez, seu autor favorito na
maturidade. Em diversas passagens de seu relato, Teresa demonstra ser diferente
de sua família, que era de costumes tradicionais. O feminismo é um assunto
arranhado pela autora num e noutro momento, mas de forma bastante corriqueira.
No mais, o livro consegue ser razoável até o fim
do capítulo XVII, como já disse. O capítulo XVIII transforma o romance num
livro de viagens. Teresa, mulher independente que é, decide fazer um itinerário
pela Europa com sua dama de companhia. Ao fim deste percurso, ela deveria
encontrar-se com Artur, seu amante, em Nova Iorque. Artur é um médico casado,
cuja esposa está condenada à morte. A viagem de Teresa é um pretexto para não
ter que esperar pela morte da esposa do amante no Brasil. Assim, ela deseja que
a mulher de Artur morra logo, para casar-se com ele, e deseja que tudo ocorra
antes do encontro deles nos Estados Unidos. Entenderam por que nem com Teresa
simpatizei?
A verdade é que, embora não tenha me afeiçoado a
nenhum dos personagens, gostava de observar a impressão que eles causavam em
Teresa: a severa Tianinha, o apaixonado primo Lúcio, a elegante tia Olívia, a
doce avó de Teresa, a fiel e servil Viturina, dentre outros. Por outro lado, a
segunda parte consegue ser tão ruim, que todos os personagens aparecidos nela,
à exceção daqueles já conhecidos da primeira parte, são desprezíveis
figurantes. Eles não têm relevância alguma para a história e me pareceram
verdadeiros estranhos. Não conseguia enxergá-los como personagens. Eram
criaturas vazias que só serviam para acompanhar Teresa no seu programa
interminável de visitas a museus, bares, teatros e outros ambientes públicos.
Elizabeth, Simone, Dick, Yvonne, Edouard, Sônia, Maurice, Henry... Todos eles
foram verdadeiros estranhos para mim, distantes, como se não fossem personagens
de fato.
Os personagens perdem espaço porque o capítulo
XVIII é quase todo de intermináveis descrições das cidades visitadas por
Teresa. É uma sequência infindável de visitas e encontros noturnos. Teresa
troca o dia pela noite e passa a ter uma rotina extremamente extravagante, o
que agrava sua moléstia do coração herdada da mãe, e que entendo como uma
espécie de punição por seus sentimentos em relação à esposa de Artur. Se por um
lado, ela deseja a morte dessa mulher; por outro, tem escrúpulos em que Artur
desquite-se dela e isso antecipe a morte da doente. Percebam o egoísmo de
Teresa, cuja preocupação não vai além de seus próprios remorsos!
Enfim, não consegui gostar desse livro, e eu bem
que tentei rs. Valeu a pena pela primeira parte, que soube ser até agradável,
mas não recomendaria a ninguém mesmo, diante de tanta coisa melhor! Foi uma das
maiores decepções do ano; tinha em mente que adoraria esse livro; guardei-o
para o final do ano justamente por isso, pois gosto de leituras leves e
agradáveis nos fins de ano. Não pensem que gosto menos de Mª José Dupré por
conta disso. Entendo que um livro de estreia é sempre mais problemático. Mas
confesso que fiquei um pouquinho receoso quanto à leitura dos próximos rs. Mas
com certeza persistirei minha meta de ler todos, em ordem cronológica. O
próximo será Luz e Sombra. Alguém aí
já leu? Ficará para o próximo ano. Espero que na leitura dele possa reencontrar
aquela escritora fina, delicada e sensível de Éramos Seis.
Avaliação: ★★
Daniel Coutinho
***
Instagram: @autordanielcoutinho
SKOOB: http://www.skoob.com.br/usuario/1348798
Escreva para o blog: autordanielcoutinho@gmail.com